Por César Soto
Acadêmico de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina
post original - https://objethos.wordpress.com/2011/09/14/resenha-lucio-flavio-o-passageiro-da-agonia-1977/
A produção, baseada em fatos reais, mantém os nomes verdadeiros dos bandidos, mas altera os dos policiais envolvidos, e narra a história do bando comandado por Lúcio Flávio e as dificuldades da vida de assaltante nos anos 70, em plena ditadura militar. Entre um roubo a banco e outro, a gangue tem de lidar com Moretti, interpretado por Paulo César Peréio, um policial de moral duvidosa que recebe pagamentos para protegê-los, e Bechara, papel de Ivan Cândido, que decide caçar Lúcio Flávio empregando toda a brutalidade possível. O personagem interpretado por Cândido era um dos líderes da organização paramilitar Esquadrão da Morte, cujo objetivo era perseguir e matar os criminosos considerados perigosos demais à sociedade.
Uma das mais fortes cenas do filme, aliás, é a em que Bechara prende e tortura o protagonista, que consegue fugir, ainda na primeira metade do longa. Diante de tantas dificuldades – traições por parceiros de bando e por Moretti e a perseguição que sofre – Lúcio Flávio ainda tenta deixar pra trás a vida de crimes com a mulher e o filho, apenas para descobrir que não é tão fácil se esconder de seu passado.
Com quase duas horas de duração, a produção começa com uma pegada rápida, que pode parecer confusa a princípio. São tantos personagens introduzidos em poucos instantes que o espectador pode se confundir entre aliados, inimigos e traidores, mas com o tempo a trama se acerta, chegando até a ficar levemente arrastada por volta da metade. Esses altos e baixos na velocidade da narrativa mostram a inexperiência do então jovem Hector Babenco, anos antes de dirigir o filme que lhe renderia uma indicação ao Oscar de melhor direção, a produção americana O Beijo da Mulher Aranha, em 1985. No entanto, esta inconstância é passageira e nada que prejudique demais o resultado final. Há de se assistir a uma obra dessas com olhos atentos e a mente consciente de que muito do que vemos hoje é resultado de experiências e tentativas desta época (a década de 1970 também rendeu outros dois dos filmes nacionais mais assistidos da história, Dona Flor e seus dois maridos e A dama do lotação) e que, por isso, pode parecer datado ou até mesmo ultrapassado.
Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia foi escolhido como o melhor filme da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo pelo Júri Popular em 1977, e recebeu cinco indicações no Festival de Gramado de 78, ganhando quatro prêmios (entre eles o Kikito de Ouro de melhor ator para Reginaldo Farias e melhor edição). Tamanho reconhecimento não se deve apenas pela qualidade do filme, mas também pela coragem de atacar de frente o regime militar, mostrando de forma chocante a corrupção instalada nas forças policias e suas práticas de tortura (mesmo que o então governo acabe se desviando das acusações na figura da Polícia Federal, que, no enredo, condena essas ações).
Se fosse lançado em 2010, seria o quinto filme mais visto do ano, superando nomes de peso como Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1, Toy Story 3 e Alice no País das Maravilhas, e atrás de produções como Avatar (a maior bilheteria da história mundial) e Tropa de Elite 2, longa-metragem mais visto no Brasil em todos os tempos. Pode se dizer até mesmo que a produção de José Padilha deve um pouco de seu sucesso a Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia, que décadas atrás mostrou que o cinema policial brasileiro poderia, sim, ser grande. Grande na casa dos milhões.
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