Vejam só que interessante: realizei um ensaio com a Mayanna para o site Alt Pornô X Plastic - http://xplastic.com.br/2013/03/mauricio-porao/ e com a publicação do mesmo, o fotógrafo camarada e talentoso Alexandre Medeiros, lá de Porto Alegre, entrou em contato. Afinidades à parte, o portfólio do moçoilo é coisa muito fina. Trocamos alguns devaneios, percepções...e daí que editei e postei toda essa filosofada!
texto/entrevista
por Porão
fotos de Alexandre Medeiros
Porão - Não sei como funciona para você, mas quando fotografo um corpo feminino é como se entrasse numa espécie de transe. Como são suas experiências?
Alexandre Medeiros - Acredito que quando o sujeito fotografa um modelo, independente de ser uma menina ou garoto, se estabelece sim um elo, uma linha invisível entre fotógrafo e modelo, uma ponte subliminar que liga os dois, algo como numa relação típica de exibicionismo & voyerismo. No entanto, o resultado disso não é propriamente o sexo, mas a criação da imagem, uma imagem que irá servir de troféu ou fetiche para os que apreciarem o material pronto. Eu comecei fotografando amigas punks, no apartamento de um amigo, usando uma máquina analógica antiga e improvisando um holofote através de um abajur com um cone de papel alumínio. Minha obsessão por trabalhar com corpos, pornografia, está no fato alumínio. Minha obsessão por trabalhar com corpos, pornografia, está no fato de me sentir um tipo de demiurgo que constrói o fetiche e o desejo dos outros, através da manipulação de situações, criação de narrativas & ficções que atingem a imaginação dos outros como um molotov.
Porão - Percebo a influência de várias subculturas existenciais e fetichistas em seu trabalho! Lida com essas coisas e/ou frequentas sociedades privadas?
Alexandre Medeiros - Uma vez estava pensando sobre o poder que possui nas mãos um "pornógrafo". Policiais tem o poder através da violência física; juízes tem o poder através das leis; padres dominam através da violência da crença; professores exercem uma forma de violência simbólica que chamam de educação; a família, que exerce controle através da violência da autoridade do pai. E o pornógrafo? Onde está seu poder? Talvez seja um poder muito superior ao poder do policial, do juíz, do padre, do professor, da família, do pai, pois o pornógrafo tem o poder de moldar o o desejo de todos eles. E isso, de certa forma, pode ser altamente subversivo. Eu me inspirei em vários caras, sobretudo, alguns deles do underground, como o caso de Richard Kern, comparsa do Nick Zedd, que inclusive foram responsáveis pela criação da cena "SINEMA OF TRANSGRESSION" (cinema com "s" mesmo), com trabalhos feitos na base do "do-it-yourself". Não me limito a fotografia, procuro alimentar meu trabalho com elementos também do cinema. Amo pornografia, amo os trabalhos do Bruce LaBruce, Maria Beatty, Andrew Blake. No campo mais específico da fotografia, sempre me senti encantado pelas imagens criadas pelo fotógrafo Eric Kroll, um mestre das imagens fetichistas. Não posso esquecer de dois fotógrafos com estilos muito parecidos que também me deixaram perplexo e me influenciaram: Guy Lemaire e Gilles Berquet. Ambos trabalham com a temática de uma sexualidade marginal, com cenas de golden shower, fetiche, bondage, sadomasoquismo, mas com uma estética que transgride aquilo que o olho nu seria capaz de capturar. Suas imagens lembram pesadelos extremamente excitantes. Amo também a ousadia de Joel-Peter Witkin. Eu poderia citar muitos outros, como Steve Diet Goedde, Roy Stuart, Araki Nobuyoshi, Ed Fox, os trabalhos do Elmer Batters, guru nas fotos que abordam o fetiche por pés femininos e sapatos. Mas, apesar dessa teia de referências, não esqueço minha origem. Na real, sou apenas um maloqueiro com uma máquina fotográfica na mão, transgredindo as convenções dos "fotógrafos de verdade".
Porão - Conhece a fotógrafa Francesca Woodman?
Alexandre Medeiros - Sim, conheço. As imagens dela parecem um grito sufocado. De certa forma, embora trabalhando com um estilo diferente, eu vejo hoje minha fotografia e meus experimentos com vídeo como o elo que me resta com o mundo, minha forma de comunicação com o mundo. Eu sou isso, é minha linguagem. Se parecer sujo, obsceno, não posso fazer nada... não tenho outra linguagem, não tenho interesse de me comunicar de outra forma. Sinto isso nas imagens da Francesca: um grito sufocado, a forma dela expressar seu desespero, o elo que ela tinha com o mundo; a maneira que ela escolheu para se comunicar. Eu escolhi a minha maneira, que no caso é a pornografia...
Porão - Interessante que sou um fã confesso da Francesca mas seu trabalho só me foi apresentado por uma amiga bem depois de eu já estar realizando coisas...a estranheza no caso é a assimilação que tenho de seus seus conceitos. Costumo associá-la à música do Joi Division e toda a experiência que proporciona. Pretendo tatuar alguma fotografia dela em meu corpo para somar à capa do Closer que tenho nas costas...Seriam dois suicidas no corpo. Mas já passei dos quarenta, não tem perigo! Pegando por esse enfoque de inspirações, que tipo de som você ouve? Costuma fotografar ouvindo música?
Alexandre Medeiros - Minha escola é o hardcore e o punk. Cresci ouvindo Black Flag, Minor Threat, Misfits (o velho), Bad Brains, Fugazi. Tive um momento em que fiquei obsecado por free jazz, então ouvia muito Ornette Coleman, Coltrane, Cecil Taylor, Peter Brötzmann. Gosto também de hip hop (menos os de MTV), música eletrônica pesada, como o digital hardcore do Atari Teenage Riot. Já fotografei ouvindo muitas coisas. Já me serviram de trilha para trabalhos: The Cramps, Sonic Youth, Misfits, Combichrist, bandas de jazz de vanguarda, Turbonegro, Butthole Surfers. Gosto de trabalhar com música e principalmente música que seja caótica como o modo que trabalha minha mente. Ultimamente tenho fotografado ouvindo bastante hip hop de vagabundo, como Control Machete, Cypress Hill, Wu-Tang Clan, House of Pain.
Alexandre Medeiros - Claro! Eu criei um projeto chamado Queer Fiction. Usava o Queer Fiction para assinar meus trabalhos tanto com fotografia quanto com vídeo. O objetivo era reunir pessoas dispostas a realizar experimentos visuais com o corpo e a pornografia, no intuito de construir uma crítica radical acerca dos valores e concepções estéticas sobre o corpo & sexualidade. O Queer Fiction era fundamentalmente político. Acreditávamos na possibilidade de promover arte sabotagem & terrorismo poético através da pornografia. Fizemos experimentos com fotografia e com vídeo. Alguns dos filmes produzidos com a assinatura do Queer Fiction circularam em vários festivais aqui e pelo mundo, como o Festival de Cinema Pornô de Berlim, o Festival de Cinema Pornô de Paris, um festival de cinema gay e lésbico de Tel-Aviv, ainda o Mix Brasil, o FOR RAINBOW e o POP PORN aqui no Brasil. Depois eu criei um projeto paralelo chamado KINKY D.I.Y.. A idéia era fazer pornografia, mas sem tanta preocupação com a carga política que o Queer Fiction carregava. Atualmente o mantenho funcionando principalmente na parte audiovisual. Ano passado foi exibido um filme no Pop Porn aqui no Brasil. O filme se chama ABSINTHE. Atualmente, meus trabalhos mais recentes tem sido assinados com DIRTY EX MACHINA.
Alexandre Medeiros - Meus trampos em fotografia, sobretudo os trampos BEM mais velhos estão no site www.queerfiction.net
Porão - E o que vem pela frente? O que tem em mente? Fique á vontade e solta o verbo!
Porão - Acredita que o Deus da Arte nos purifica e nos perdoa por todo o nosso temor, por toda nossa angústia, nossa confusão, rebeldia, incertezas. Tipo, Ele/Ela olha pra nós (olhai por nós) e diz: "vocês são os mais inocentes nesse jogo estúpido. Criem seus orgarmos! Tentem ser felizes e sejam lunáticos a esse ponto! Eu os perdoo por todo esse despreparo!"
Alexandre Medeiros - Em primeiro lugar, não acredito na arte pela arte, ou na estética pela estética. A arte não está acima de nós, não é um Deus. Eu colocaria a arte no mesmo nível de um martelo, ou ferramenta qualquer. Ela tem que servir para algo. O martelo serve para pregar pregos. Arte, vista como uma ferramenta e não como um fim em si mesmo, tem que ter uma utilidade também. Talvez expressar essa confusão, essa rebeldia, incertezas existenciais. Prefiro até trocar o martelo dessa nossa analogia, pelo revólver. A arte, como o revólver, é uma arma, com certeza ainda muito mais perigosa. Quando criei o Queer Fiction é porque acreditava que através da manipulação de elementos diegéticos do vídeo ou estéticos da fotografia era possível criar política. Não a beleza esgotando-se em si, mas a imagem sendo usada como uma ferramenta para sabotar mentalidades e valores. Não sei se estou me fazendo entender. O que quero dizer é que pra mim a arte é um mero instrumento, nada além disso, é uma ferramenta que nos serve. Arte simplesmente pela arte, o belo pelo belo, não apresenta utilidade. Mas quando a arte deixa de ser um fim e passa a ser um meio para comunicar, confundir, perturbar, dai ela se torna poderosa...e se a arte não servir para a rebelião, seja a rebelião das massas, seja a rebelião da minha consciência, então prefiro declarar a morte dela. Mesmo que seja apenas a "rebelião" da consciência do artista diante do mundo, modificando radicalmente a visão daquele que faz a arte em relação ao senso comum, isso já é uma rebelião! Agora se ela se esgotar nas formas estéticas, não mudar sequer a visão de mundo do artista, para o que ela serve? Estamos fodidos....A boa arte não precisa ser bonita, tem que sim instigar, perturbar, como as obras de Saudek e os cadáveres fotografados por Witkin. Muito mais que a beleza, creio que a náusea é um parâmetro superior para determinar a força da arte. Vejo Witkin, Saudek, Guy Lemert, e isso me perturba, me causa náusea, modifica minha percepção sobre a beleza, sobre o próprio mundo. Excelentes artistas...
Porão - Ok! Muito obrigado pela atenção dispensada!
Alexandre Medeiros - O prazer foi meu!
Porão - E seus modelos, de onde surgem?
Alexandre Medeiros - No início eram amigas e amigos. Não tenho problemas para fotografar homens. Meu foco é o corpo, sobretudo em situações limítrofes. Uma vez fotografei um amigo com as costas costuradas com cateteres e fitas vermelhas (play piercing). Antes de submeter o modelo ao experimento, fiz no meu corpo. No início, fotografava e filmava pessoas que se identificavam com meu projeto (Queer Fiction). As pessoas se identificavam e se ofereciam para participar da experiência. Nos últimos anos, passei a prestar trabalhos para casas noturnas. Então as garotas que trabalham, principalmente na noite, me procuravam.
Porão - Eu lido com garotas de programa! Certa vez uma moça que estava fazendo um faxina lá em casa, bem, ela era cigana, tinha visões, sensibilidade, essas coisas ...ela disse que dava para sentir uma energia mundana na minha casa, mas que limparia a abarra pra mim...achei isso tão estranho! Poderia falar sobre esses seus projetos com mais detalhes?
Alexandre Medeiros - Claro! Eu criei um projeto chamado Queer Fiction. Usava o Queer Fiction para assinar meus trabalhos tanto com fotografia quanto com vídeo. O objetivo era reunir pessoas dispostas a realizar experimentos visuais com o corpo e a pornografia, no intuito de construir uma crítica radical acerca dos valores e concepções estéticas sobre o corpo & sexualidade. O Queer Fiction era fundamentalmente político. Acreditávamos na possibilidade de promover arte sabotagem & terrorismo poético através da pornografia. Fizemos experimentos com fotografia e com vídeo. Alguns dos filmes produzidos com a assinatura do Queer Fiction circularam em vários festivais aqui e pelo mundo, como o Festival de Cinema Pornô de Berlim, o Festival de Cinema Pornô de Paris, um festival de cinema gay e lésbico de Tel-Aviv, ainda o Mix Brasil, o FOR RAINBOW e o POP PORN aqui no Brasil. Depois eu criei um projeto paralelo chamado KINKY D.I.Y.. A idéia era fazer pornografia, mas sem tanta preocupação com a carga política que o Queer Fiction carregava. Atualmente o mantenho funcionando principalmente na parte audiovisual. Ano passado foi exibido um filme no Pop Porn aqui no Brasil. O filme se chama ABSINTHE. Atualmente, meus trabalhos mais recentes tem sido assinados com DIRTY EX MACHINA.
Porão - E por que não usa seu próprio nome?
Alexandre Medeiros - Quando adoto outro nome, sinto-me como quebrando com a individualidade que o meu nome real carrega. "Não é o Alexandre Medeiros" mas é o "DIRTY EX MACHINA" que pode ser qualquer pessoa, pode ser mais de uma pessoa, pode virar um coletivo e voltar a ser um. Permite maior fluidez, torna-se mais perigosa a brincadeira, como LUTHER BLISSETT: pode ser um, pode ser todos, como pode ser ninguém. Terrorismo, fluidez de idéias e pessoas.
Porão - E como podemos sacar seus trampos na rede?
Alexandre Medeiros - Meus trampos em fotografia, sobretudo os trampos BEM mais velhos estão no site www.queerfiction.net
Porão - E o que vem pela frente? O que tem em mente? Fique á vontade e solta o verbo!
Alexandre Medeiros - Meu trabalho é meio nômade: de repente tem um filme meu passando na Alemanha e nem eu fico sabendo... o material está circulando. Outro dia estava num festival sobre diversidade sexual no Uruguai. Vou lançar dois DVDs. Um se chama CHECK MY MACHINE, com Jazz Duro e Gina Jolie, pornografia hardcore, com muito sexo anal e trilha sonora do brilhante produtor Leandro Bandeira da PRO HIP HOP (http://www.facebook.com/DjBanderaBeats?fref=ts). O outro DVD se chama LUST MAKER, um pesadelo fetichista, com a atriz Yasmin Vianna e o novato Koringa 6669. Ando produzindo muita coisa em video, sinto necessidade da imagem-movimento. Devo ainda 3 ensaios para a XPlastic. O Ruy deve estar querendo me matar. Mas se, por acaso, ele ler essa entrevista, ele que fique tranquilo. Já estou com material pronto.
Alexandre Medeiros - Em primeiro lugar, não acredito na arte pela arte, ou na estética pela estética. A arte não está acima de nós, não é um Deus. Eu colocaria a arte no mesmo nível de um martelo, ou ferramenta qualquer. Ela tem que servir para algo. O martelo serve para pregar pregos. Arte, vista como uma ferramenta e não como um fim em si mesmo, tem que ter uma utilidade também. Talvez expressar essa confusão, essa rebeldia, incertezas existenciais. Prefiro até trocar o martelo dessa nossa analogia, pelo revólver. A arte, como o revólver, é uma arma, com certeza ainda muito mais perigosa. Quando criei o Queer Fiction é porque acreditava que através da manipulação de elementos diegéticos do vídeo ou estéticos da fotografia era possível criar política. Não a beleza esgotando-se em si, mas a imagem sendo usada como uma ferramenta para sabotar mentalidades e valores. Não sei se estou me fazendo entender. O que quero dizer é que pra mim a arte é um mero instrumento, nada além disso, é uma ferramenta que nos serve. Arte simplesmente pela arte, o belo pelo belo, não apresenta utilidade. Mas quando a arte deixa de ser um fim e passa a ser um meio para comunicar, confundir, perturbar, dai ela se torna poderosa...e se a arte não servir para a rebelião, seja a rebelião das massas, seja a rebelião da minha consciência, então prefiro declarar a morte dela. Mesmo que seja apenas a "rebelião" da consciência do artista diante do mundo, modificando radicalmente a visão daquele que faz a arte em relação ao senso comum, isso já é uma rebelião! Agora se ela se esgotar nas formas estéticas, não mudar sequer a visão de mundo do artista, para o que ela serve? Estamos fodidos....A boa arte não precisa ser bonita, tem que sim instigar, perturbar, como as obras de Saudek e os cadáveres fotografados por Witkin. Muito mais que a beleza, creio que a náusea é um parâmetro superior para determinar a força da arte. Vejo Witkin, Saudek, Guy Lemert, e isso me perturba, me causa náusea, modifica minha percepção sobre a beleza, sobre o próprio mundo. Excelentes artistas...
Em tempos que as mentes se encontram anestesiadas pelos bens de consumo, pelas vitrines e todo tipo de marketing barato, o papel da arte hoje é urgente e sobretudo causar horror, náusea e êxtase.
Porão - Ok! Muito obrigado pela atenção dispensada!
Alexandre Medeiros - O prazer foi meu!
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