quinta-feira, 17 de abril de 2014

o papo é Blues Etílicos - parte 02

Na segunda parte da entrevista com o Blues Etílicos e derradeira do baixista Cláudio Bedran, os assuntos abordados foram ainda mais interessantes e as histórias (isso mesmo, com H) reveladas são emocionantes. Vamos à leitura!

entrevista por Porão
fotos - acervo particular do facebook do Cláudio Bedran:
https://www.facebook.com/claudio.bedran


Porão - Você era amigo do Celso Blues Boy? Aqui na Ostra, tenho muitos amigos músicos que eram amigos particulares dele? Um ser enigmático não? Quais as lembranças que tem dele e qual a importancia de seu legado musical? 

Cláudio Bedran - O Celso deu a maior força pro Blues Etílicos no início da banda. Deu canjas conosco, abrimos show dele no Circo Voador. Foi muito importante para o Blues BR em geral. Deixou vários clássicos e era um ótimo guitarrista. Uma grande perda, sem dúvida. Achei totalmente rock and roll a forma como preferiu morrer, continuando a levar a vida de sempre até o fim. Um artista importante, mas um cara complicado. Típico exemplo da regra nº 1 da Arte, que é "nunca confundir autor e obra." Até o início dos 90 eu e ele éramos camaradas, de vez em quando tomávamos umas cervas no Baixo Gávea e na Lapa. Um belo dia, sem que eu nunca tenha sabido exatamente a razão, começou a entrar numa comigo. Há quem diga que foi por conta de uma senhorita que saía com nós dois (entre outros caras) ao mesmo tempo, ou por eu ter pego cervejas na geladeira "particular" dele num evento, sei lá. O Elias Gass, empresário dele à época, foi testemunha da ruptura definitiva, numa volta de van para o hotel, depois de uma noite de festival no interior de São Paulo, onde CBB e BE tinham feito seus shows. Pedi para o motorista parar num posto para comprar cigarros e isso aparentemente soou ao Celso como uma ofensa gravíssima. Voltei com os cigarros, ele começou a engrossar e testar minha paciência. Quando desembarcamos em frente ao hotel, ele resolveu me xingar pesado. Aí meu saco explodiu. Larguei o baixo no chão e ia caindo dentro, quando o Elias entrou no meio e me pediu "pelamordideus, Bedran, ele é assim mesmo, está bêbado, deixa pra lá..." Com fumaça saindo pelas orelhas, fui pro meu quarto. Meia hora depois, Elias me ligou agradecendo, se desculpando em nome do CBB etc. Mas nunca mais nos falamos. Tempos depois, o Maurício Burlamacchi, roadie do CBB por muitos anos, foi sumariamente despedido. Àquela altura eu estava estudando Direito na UFRJ. O Maurício, ciente da minha encrenca com o Celso, me procurou. Eu ainda não era formado, mas tive o maior prazer em escrever a inicial, assinada por um grande advogado e amigo que tocou a ação. No fim, Celso teve que pagar uma bela grana de indenização, o que me deixou feliz, claro. Depois disso, passou a dizer que nossa briga se deu porque "eu o levei à Justiça", enfim... a obra dele é muito maior que essas babaquices, é só uma história que nunca foi escrita, merecia ser contada. Aí Elias e Maurício! Foi ou não foi assim? rs





Porão - O baixo sempre foi um instrumento mais conservador no blues e/ou blues rock concorda? Como  começou a tocar baixo e quais os baixistas do blues e fora do blues que você curte? 

Cláudio Bedran - Blues é um estilo clássico. Ele se renova, mas para continuar a ser a fonte primária que é, precisa ser fiel a si mesmo. E o baixo de blues é bem o chão da música. Se inventar muita moda, estraga tudo. O blues/rock já é uma coisa um pouco mais aberta, sendo o Allman Bros um grande exemplo disso. O Blues Etílicos, apesar de ser capaz de fazer um puta disco de BLUES mesmo, como o "Viva Muddy Waters", é uma banda de MÚSICA "BLUES ORIENTED". Fazemos baladas, misturas com música BR nordestina, blues/rock, soul, tangenciamos o jazz, e isso me dá liberdade pra criar umas linhas diferenciadas. A função do baixo na música em geral, salvo casos muito especiais, é a de ponte entre ritmo e melodia/harmonia. É uma viagem que adoro, mas é um instrumento que tende a aparecer menos que os outros, principalmente para o leigo. Acho que "conservador" não seria a palavra que eu usaria, está mais pra o instrumento mais "low profile" de todos. Quando tinha uns 9 anos comprei o Machine Head do Deep Purple e o Smokin' do Humble Pie. Achei super chique o nome "bass guitar" nos créditos e a imagem na contra capa do Machine Head. Aí resolvi ser baixista quando crescesse, como quem resolve ser "bombeiro", "astronauta" etc. Lista de baixistas? No blues eu destacaria o Willie Dixon também grande compositor, e mais recentemente o Tommy Shannon, que tocou com o Johnny Winter e depois acompanhou toda a carreira do Stevie Ray Vaughan. Fora do blues: O James Jameson (Motown) é o mestre dos mestres, referido como gênio até pelo foderástico Jaco Pastorius. (Admiro muito o Jaco e o Stanley Clarke, mas eles mudam a função do baixo, colocando-o como O destaque. Se você não for REALMENTE genial, melhor não tentar fazer isso em casa...) São tantos caras ótimos, que vou citar só os que mais ouvi. No jazz: Ron Carter e Paul Chambers. No Rock: John Paul Jones, John Entwistle, Cliff Williams (AC/DC)...

Porão - Para quem está de fora parece que o Blues Etílicos conseguiu atingir padrões avançados de popularidade e sucesso! É isso mesmo, o ápice? 

Cláudio Bedran -  Cara, acho que conseguimos o que no fundo queríamos, ou seja, tocar só o que curtimos, continuar compondo sempre, reconhecimento geral e um público pra lá de fiel, que ainda por cima se renova a cada ano. Hoje em dia somos caras relativamente equilibrados, o nível dos shows é alto, o empresariamento/produção é bem conduzido e vamos muito bem, obrigado, com a coisa melhorando a cada dia. Mas sem dúvida, em termos de atingir "O Sucesso", poderíamos escrever um livro chamado "One Thousand Reasons Why We Never Made It". Vou enumerar algumas: 

1) Exatamente quando conseguimos a maior exposição (após o 1º Festival Nacional de Blues em 89), resolvemos gravar um disco, lançado só no BR, mas TODO EM INGLÊS chamado "San-Ho- Zay", um nome que nem americano sabia pronunciar. Teve também uma produção descuidada, sonoridade ruim, som abafado e tal. Com isso nos afastamos totalmente do "rock BR", sem fazer algo que abrisse portas lá fora. Um amigão meu, o Cleto, chamou isso de "suicídio artístico". Vendeu bastante, convencendo muita gente que não nos conhecia de que éramos uma banda cover. 

2) Na mesma época, eu e Flávio assumimos o empresariamento. Isso foi engraçado, pois éramos relativamente inexperientes nisso e, ao negociarmos, muitas vezes errávamos o tom e atraíamos a irritação do contratante diretamente pra banda e não "pro filho da puta do empresário". 

3) O batera da banda inventar um apelido escrotíssimo para um crítico gente boa, que costumava gostar do nosso som, e chamá-lo assim em pleno Baixo Leblon, não foi exatamente uma boa ideia.

 4) Outra foi quase dar porrada num letrista gay bastante conhecido. Não por ele ser gay, apenas por ser um babaca, mas isso foi ótimo pro cara espalhar que éramos homofóbicos. 

5) Jogar tomates em um divulgador da gravadora, que queria tirar uma porcentagem pra intermediar shows com um grande contratante amigo dele, não ajudou muito. 

6) No início dos 90 fizemos muitos shows com mais da metade da banda alucinada, errando bastante.

 7) Em 92/93, pra sair da Eldorado (que nos dava um puta apoio, inclusive passagens aéreas e hospedagem em ótimos hotéis) e ir para outra gravadora, resolvemos forçar a barra, fazendo uma série de exigências inacreditáveis, como passagens internacionais com hospedagem pra Europa e US. 

8) Na nova gravadora, ao cobrar uma promessa não cumprida, gentilmente perguntei ao Diretor: "Quer dizer que sua palavra vale menos que um peido de pombo?" Ah, isso fez um bem... 

9)Finalmente fomos parar na gravadora dos Titãs, a Banguela, onde gravamos o Dente de Ouro (96). Estávamos com batera novo, letra do Fausto Fawcett, canção de capoeira em arranjo bacana, enfim, nova chance de atingir "O Sucesso". E aí, no show de lançamento, lá estavam membros dos Titãs, prontos para interagir conosco, nos apresentar a jornalistas e pessoas quentes etc. Pois é, resolvemos ficar doidões no camarim, esnobando totalmente os caras... Aguarde o livro!





Porão - Porra Cláudio, parecia mais uma banda punk! rsrsrsrsrs. Mas acho que podemos dizer que se trata mesmo de uma banda de blues única, devido aos flertes bacanas e inusitados com outras sonoridades principalmente com ritmos brasileiros. Como flui essa experimentação com MPB/reggae/rock/forró/baião e afins? 


Cláudio Bedran - Digo sempre que somos uma banda de MÚSICA, com forte base no blues, mas deixando rolar livremente nossas outras influências. Nossa escola como banda era ficar horas na garagem do Otávio levando som. As idéias pintavam e as músicas "apareciam". E aí só filtramos depois. O Flávio, além de ser um gaitista excelente, com uma cultura de blues pra lá de invejável, treinou capoeira, daí "Dente de Ouro". Eu sempre curti hard rock, reggae roots e soul, Greg tem muito de Southern Rock e é um ótimo compositor de baladas, Pedrão toca todo tipo de música, Otávio adora Malcom Young - entre outros baseiros fodas e todos temos em comum o gosto por blues, rithm and blues e rock. E curtimos também Vinicius/Toquinho, Alceu Valença, Leo Gandelman, Paulo Moura... O negócio é deixar o som fluir sem permitir que os rótulos nos imobilizem.

continua...

2 comentários:

  1. O Blues Etílicos toca o que quiser... e eu, que já adorava a banda, agora sabendo dessas irreverências, amo.

    Anônima - RJ

    ResponderExcluir