sábado, 21 de março de 2015

Coisas da Vice: A História do Brasil de Juca Martins


Por Felipe Larozza
Fotógrafo


post original:http://www.vice.com/pt_br/read/a-historia-do-brasil-de-juca-martins


Com os óculos de sol enfiados no bolso da camisa listrada e semiaberta, Juca Martins chega ao local que ele mesmo escolheu para a entrevista: uma cantina italiana no bairro de Perdizes, em São Paulo. Saboreando um frango com legumes acompanhado de cerveja escura, ele toma frente e começa a me fazer perguntas. Normal isso acontecer quando dois fotojornalistas se encontram. Mas é gozado: meus 28 anos de vida não chegam nem perto dos seus mais de 50 de profissão.

Esse cara é um dos principais fotojornalistas brasileiros. Ele documentou as manifestações contra a ditadura militar, o garimpo da Serra Pelada, a seca do nordeste.

Juca veio de Portugal aos cinco anos de idade. Seu pai veio antes com um trabalho arranjado, o suficiente para construir a casa da família onde morariam com ele, a mãe e a avó.

"Desde moleque eu gostava dos impressionistas franceses. Com 12, 13 anos eu sonhava em ser artista, pintor", relata o fotojornalista.

No início dos anos 60, surgiu a revista Realidade, que contava com uma reunião cósmica de um grupo de fotógrafos tão impressionantes que desmontou a ideia de futuro pintor: Claudia Andujar, George Love, David Zingg.


"Eu falava: 'Porra! Eu não quero ser pintor e ficar trancado em um ateliê'. O negócio é ser repórter fotográfico. Você vai ao local, viaja. Saí para o mundo. Naquela época, ser fotógrafo tinha uma aura romântica. Existia a ideia e o sonho de ir para lugares aonde ninguém foi antes. Ninguém andava com cartão de banco. Então, se a história era no Amazonas, você saía com um bolo de dinheiro, uma bolsa cheia de filmes e partia rumo ao desconhecido."

Nos anos 70, a ditadura militar estava no auge. As taxas de crescimento do Brasil vinham na mesma toada em que a repressão e a censura cresciam. Exilados, tortura, desaparecimentos e os movimentos de resistência, com as greves do ABC e as manifestações estudantis. E é ai, aos 18 anos, depois de um bom tempo trabalhando nos laboratórios da editora Abril, que o trampo de Juca começa pra valer.

No restaurante – com um ar de tranquilidade que só a experiência deve trazer –, Juca zombou da minha inocência quando contei que
fui agredido por um policial militar ao cobrir um protesto e perguntei como era trabalhar nessa época. "A repressão à imprensa, desde que a imprensa existe, nunca deixou de acontecer. E não vai deixar."

Juca explica que na época das greves que aconteciam no ABC, a polícia agia na porrada. "Os caras tomavam o filme [da máquina]. Naquele tempo, eu não me lembro de ter tiro de borracha. Tanto que eu ia trabalhar usando uma máscara de pano molhada e cobrindo o olho, sem usar essas máscaras e capacetes de hoje", relata.

A repressão evoluiu, assim como as câmeras. Hoje, a polícia continua militar, só que com muito mais brinquedos na mão.

"Vi muita coisa acontecer. Nos anos 70, 80, acho que a gente sabia se colocar, antecipava os acontecimentos. Eu já sabia quais caras eram encrenqueiros no movimento estudantil e no movimento dos metalúrgicos. Quando eles iam para algum lugar, eu sabia que eles iam provocar e dar porrada. Aí você só se coloca em uma posição boa, para decidir qual lente usar para pegar os dois: o repressor e o reprimido. É muito mais isso: a esperteza, a manha. O Robert Capa cobriu guerra pra caramba. O cara sabia onde se meter ou não?"

Eu, particularmente, fiquei em dúvida. O Capa morreu em Hanoi, capital do Vietnã, pois decidiu sair da estrada em que acompanhava uma patrulha e pisou em uma mina.

Durante a década de 80, enquanto Juca cobria a história do assassinato de um líder camponês, ouviu falar no garimpo de ouro que irrompia na Serra Pelada. Com seus rolos de filme esgotados, confiou em seu faro jornalístico e teve uma ideia: pediu que padres e bispos que saíam de São Paulo rumo ao local lhe levassem rolos de filmes. Por mais absurdo que pareça, eles levaram.

Após conseguir uma autorização do temido
Major Curió, ele foi o primeiro fotógrafo a documentar a exploração do garimpo de ouro na Serra Pelada.

Remando contra a maré, em março de 1979 ele fundou a agência de fotos F4. A empreitada foi a grande responsável por conquistas importantes para os fotógrafos brasileiros, como o direito ao negativo. Antes, os negativos ficavam em poder do jornal, e não do fotógrafo. Foi criada, também, uma tabela de preços para a comercialização das fotos. Isso dava ao fotógrafo o poder de escolher quem publicaria suas imagens.

A agência trabalhava com pautas que, segundo Juca, eram consideradas eternas. E, assim, os fotógrafos da F4 foram registrando, de forma magistral, acontecimentos que alteraram o rumo da história. Entre eles, estavam o próprio Juca, Nair Benedicto, Ricardo Malta, Cynthia Brito, Delfim Martins, Daniel Augusto Jr., Rogério Reis, J. R. Ripper, Maurício Simonetti, Salomon Cytrynowicz, Zeca Guimarães, Stefan Kolumban, Zeka Araujo, Paula Simas, Juan Pratginestos, Miguel Chikaoka, Aristides Alves e Saulo Petean.

Recentemente, foi lançado o livro Juca Martins pelo Museu da Cidade de São Paulo em parceria com a editora WMF Martins Fontes.

 "O livro reúne uma fotografia política mais engajada", explica. "Não tem paisagem. É um documentário sobre a vida, sobre o ser humano. No final, você está fazendo um serviço social. Não é só fazer a foto para ganhar a primeira página do jornal."

 Através do trabalho desenvolvido por Juca Martins ao longo dos anos, é possível entender a história do povo brasileiro. As fotografias escolhidas para esse livro criam questionamentos sobre o cenário político atual. Inclusive, ele comenta que as pessoas não têm noção ou se esqueceram de como era viver uma ditadura militar, quando até as fotos publicadas passavam pela censura.

Confira mais imagens abaixo:










 
 

 
 

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