sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Um longo tempo

Em noite marcada por recordações, versão reformada do Spy Vs. Spy convence com grande show no Imperator, no Rio. 

Texto: Marcos Bragato
Fotos: Nem Queiroz.
post original: http://www.rockemgeral.com.br/2015/10/16/um-longo-tempo/




O bom vocalista do Spy Vs. Spy, Paul Greene, cujo timbre de voz lembra muito o de Craig Bloxom

“O clima é de Fluminense FM”, percebe até o incauto antes mesmo de o show começar. Não por acaso, no mesmo Centro Cultural, uma exposição chamada “Maldita 3.0” mostra para as novas gerações a revolução feita pela rádio que catapultou o rock no Brasil, em plena transição da ditadura para a democracia (saiba mais). Não por acaso, um senhor australiano de certa idade reaparece para tocar no bis vestindo uma camiseta alusiva à exposição e à rádio. Ele sabe que, se não fosse a programação da Flu FM, já nos anos 90, concentrada na surf music australiana, a tal banda jamais teria feito tanto sucesso e tampouco estaria ali, tanto tempo depois, desfrutando de considerável prestígio. Estamos no Imperator, em pleno 2015, e Michael Weiley é o encarregado de conduzir o Spy Vs. Spy para as quatro músicas do bis, em uma noite daquelas.


Não que o Imperator - reformadinho, um luxo só - seja o mesmo; não que seja o público do mesmo tamanho, embora compense em animação; não que seja o Spy a mesma banda, já que Weiley é o único remanescente da formação original, mas a coisa – acredite - funciona, e muitíssimo bem. Primeiro, porque o vocalista e guitarrista Paul Greene, um fortinho com cara de nada há quatro anos na banda, tem o timbre de voz parecidíssimo com o do saudoso Craig Bloxom e canta pra cacete. Depois, que a formação com duas guitarras fornece peso e deixa o vovô Michael Weiley liberado para fazer o que quiser, e, tal qual um bebê, ele debulha a guitarra o tempo todo, além de enfatizar as brilhantes evoluções de cada música do Spy, o que realça o terceiro ponto que consagra o show: um repertório de grandes músicas que caem bem no paladar de cada um ali no meio da festa. O que, de certa forma, compensa o apenas razoável comparecimento do público.



O guitarrista Michael Weiley, único remanescente da formação original, com a camiseta da Maldita

E o repertório é mais que perfeita curva de Gauss. Começa como quem não quer nada, vai a hits que fazem parte de uma inalienável trilha sonora da juventude em todas as épocas e lugares, e depois arrefece para uma despedida, no mínimo, amorosa. No bloco final, a quase instrumental “A.O. Mod”, com erro na entrada, é pretexto para o delírio total da plateia; “Clarity Of Mind”, talvez a música mais conhecida do Spy no Brasil, cantada por Weiley, demole o desânimo até de quem segue sentado nas arquibancadas; e a politizada “Credit Cards”, que hoje bem poderia ser utilizada para explicar os emburrecedores aparelhos de telefonia celular, derruba qualquer visão de que a música do Spy é apenas surf music descerebrada e de poucas pretensões.



Explica-se que existe, ao menos, duas surf music. Uma é a surf music de raiz, quase sempre instrumental, criada nos anos 1950 por Dick Dale e revitalizada nos anos 1990 graças à trilha do filme “Pulp Fiction”, do esperto Quentin Tarantino. A outra, na verdade é a rock australiano dos anos 1980 que os surfistas brasileiros ouviam ao competir lá na terra dos cangurus e traziam para o Brasil – numa época sem internet - como grande novidade. Como era um must entre os surfistas, foi apelidada de surf music e explodiu na programação da Fluminense FM mais tarde, daí o grande sucesso no Brasil. Mas não se engane: bandas como Midnight Oil e Spy Vs. Spy têm músicas com letras fortemente politizadas. Corra atrás!



O novo Spy Vs. Spy: Michael Weiley, o baterista Dave Bennett, o baixista Neil Beaver e Paul Greene

“Queremos agradecer à Rádio Maldita, a primeira a tocar a música australiana no Brasil”, diz Michael Weiley, antes de “Take Me Away”. Na sequência, na ótima “Snowblind”, é Greene que se empolga, desce no meio do povão e circula por todo o salão sem parar de cantar. De volta ao palco, agradece com uma sinceridade ímpar o simples fato de ter cumprimentado vários fãs pelo caminho. E se lamenta por ter só duas palhetas, e aí não pode atender a um daqueles chatos de beirada de palco. O público também – registre-se – é salpicado de imbecis que sobem no palco não para se divertir, mas para ser fotografado ao lado dos músicos. O que não impede a sequência matadora no final, que aponta para um bis mais para relaxar, cujo destaque é a nova “Honey alguma coisa”. A música é espécie de síntese da sonoridade do Spy, com as preciosas evoluções e transições deste belo guitarrista que é Michael Weiley. O melhor é que, segundo Paul Greene, o grupo prepara um disco com músicas inéditas. Mas será que o público tá interessado?

Antes, o Vulcânicos e o élan retrô que lhe é peculiar realçou a tal surf music de raiz em algumas músicas. A abertura, por exemplo, com “Piraí Safári”, e “Bolero da Morte” são bons exemplos desse viés, mas a banda vai também pelo punk, com a cover de “Demolición”, da banda peruana Los Saicos, apontada por alguns como o primeiro grupo punk da história. Outra legal é a de “Run, Run, Run”, do Vevet Underground, que só perde para versão do Echo And The Bunnymen. O grupo precisa decidir se vale mais à pena investir em músicas próprias ou ficar como banda cover. As duas facetas são boas, mesmo com músicas amalucadas como “Guaca!” e “Mambo Cumba”, o que enfraquece é o meio do caminho. Nos intervalos, o tal “clima de Fluminense FM” quem dava era o cascudo DJ Terror. O nome já diz tudo, né?



Michael Weiley no agito com Paul Greene: a nova formação do Spy Vs. Spy funciona muito bem no palco

Set list completo Spy Vs. Spy:



1- Clear Skies

2- Hardtimes

3- The Golden Mile

4- Test Of Time

5- All Over The World

6- Sallie-Anne

7- Harry’s Reasons?

8- One Of a Kind

9- Take Me Away

10- Snowblind

11- Don’t Tear It Down

12- A.O. Mod

13- Clarity Of Mind

14- Credit Cards

Bis

15- Mission Man

16- Honey (Música Nova)

17- Working Week

18- Injustice



Covers ou músicas próprias? Decisão que o Vulcânicos, do baixista Filipe Proença, precisa tomar



incautos + Brags ao fundo


incautos + DJ Terror







 


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