Eduardo Bastos
Quem viveu os anos 70 sabe que, se hoje Nova York possui um charme turístico irresistível, naquela época era uma Babel de decadência, violência e permissividade.
Dick Fortes e Kris Needs (este último um fanzineiro amigo da banda) percorrem o underground nova-iorquino - o ambiente boêmio e promíscuo frequentado por artistas como Andy Warhol e cheio de templos do hedonismo como o Max's Kansas City e o Studio 54 - para mostrar como uma banda inicialmente ordinária e sem direção conseguiu se impor.
O Blondie foi cria do histórico movimento que teve seu epicentro no legendário bar CBGB, junto com nomes como Ramones, Television, Patti Smith e Talking Heads.
Mas nem tudo era harmonia neste mítico ambiente punk-rock. "A cena incestuosa do CBGB tinha cada vez mais rixas internas, e a ênfase do Blondie no lado mais pop do espectro musical fazia com que fossem encarados como pouco mais do que uma leve bruma", colocam os autores.
Origens
Nascido das cinzas do The Stilletoes, o grupo forjou sua identidade sonora a partir da influência de girl groups como The Shangri-Las, pop dos anos 60, glam e camp.
Se era desacreditado a princípio, o Blondie é um exemplo de que tudo é possível no show business, desde que se tenha sob o holofote alguém com quem se possa "vender" uma imagem - um souvenir pop para o apetite voyeur das massas adolescentes, como era Debbie Harry. Não que o grupo não tivesse seus méritos musicais: estava sempre atento às tendências que saíam das ruas de Nova York, seja a música disco ou o rap, e ao que vinha de fora, como o reggae da Jamaica e o eletropop da Europa.
Linda, loira e, se não completamente talentosa, Debbie pelo menos era esforçada e determinada. Ela encontrou no ombro de Chris Stein - um fã de Alice Cooper com estofo intelectual - o esteio criativo e confortável para crescer com reciprocidade na alameda musical que se abria para os "despretensiosos", com a decadência dos gigantes dos anos 70.
O show que mudou a vida do Blondie aconteceu no CBGB no dia 14 de fevereiro de 1976. "Estávamos indo em direção a um mundo maior", pressentiu Debbie. Depois de receber muita porta na cara de gravadoras, o grupo assinou com o selo Private Stock e estourou com o single "X Offender", deixando clara sua orientação pop.
Nas graças dos britânicos
Apesar de ser americano, foi no Reino Unido que o Blondie estourou. E aí teve que conviver com as distorções de imagem da imprensa britânica, que centrava o foco em Debbie e seu sex appeal, quando internamente o grupo se propunha a uma experiência democrática.
O diferencial nesta questão é que a postura de Debbie, impondo-se, paradoxalmente, como mulher forte (embora tímida e insegura), forneceu um contraponto à imagem de cantoras fragilizadas, imortalizada por Billie Holiday e Janis Joplin. Assim, ela abriu caminho para o movimento girl power que, mais tarde, revelaria Madonna, Gwen Stefani e as Spice Girls.
Outros reconheciam a importância de Chris Stein na tarefa de transformar o Blondie em um gigante da new wave. "Chris era muito visionário. Ele realmente era perseverante e tinha ideias acertadas", diz no livro o produtor Marty Thau.
O Blondie seguiria em espiral ascendente até meados de 1982, quando as coisas começaram a desmoronar. Turnês exaustivas, projetos paralelos, trabalho e drogas demais e uma estranha doença genética que acometeu Stein - a pênfigo vulgar - contribuíram para o fim. Mas voltaria em 1997, emplacando o hit "Maria".
Apesar de ser biografia quase oficial, "Blondie - Vidas Paralelas" é de leitura agradável, mesmo se você não é exatamente um fã da banda. O Blondie era um grupo de pretensões meramente artísticas que, aos poucos, foi sendo moldado a sua revelia, muito por conta do coeficiente de sensualidade de sua cantora. Este marketing astucioso de início os atordoou, mas é o preço. Com ou sem crise de identidade, a banda tornou-se um fenômeno da new wave e está na ativa até hoje.
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