quarta-feira, 25 de setembro de 2013

fragmentação


...sempre que lidamos com a idéia de fragmentação é dentro do universo da forma que nos localizamos. Um fragmento não é uma unidade autônoma, uma forma absoluta e senão o próprio objeto de sua subordinação a uma forma que o antecede. O fragmento é o duplo para o qual se prevê, dentro do espaço preenchido de sua materialidade, também uma ausência latente e necessária. Um pedaço. Ou seja, enquanto nos relacionamos com a idéia de fragmentação cumpre que nos relacionemos sempre com a noção de um sistema constituído onde o fragmento é a parte que se quer afirmar de um todo, mas o todo jamais pode ser ignorado, sob o risco da forma desse fragmento apresentar-se como uma forma primeira.

Em "Desenvolvimento de uma garrafa no espaço", Boccioni organiza um sistema visual edificado por múltiplos fragmentos a partir dos quais o artista pretende sintetizar a representação de garrafa. Observem que a escultura é composta por desvios constantes e acentuados conforme o observador circula entorno do objeto. Essa, que podemos dizer tratar-se de uma transferência da linguagem pictórica da pintura cubista para o suporte da escultura, tem, no entanto, aqui, uma consequencia inesperada. Ao invés do observador reconstituir instaneamente a idéia de uma garrafa a partir dessa fragmentação da vista em perspectiva no espaço restrito do plano (segundo o modelo cubista), a síntese só é dada pela mediação de um eixo central (e do movimento ao redor deste) que recupera o espaço tridimensional da obra dentro dos multiplos cortes inferidos ao objeto segundo essa idéia de pequenos fragmentos de plano dentro do campo visual.

Ao final, essa síntese dada juntamente com a retorção do objeto, como que a contrapartida material da trajetória do observador, nos faz declinar os fragmentos em favor da integridade do objeto. E, no entanto, os fragmentos continuam lá como evidência inexpugnável de um processo de composição...

texto: Bruno Melo Monteiro (SENAC RJ)
imagens: Desenvolvimento de uma garrafa no espaço de Boccioni e autoretrato fragmentado de Porão

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