sábado, 9 de novembro de 2013

A Morte e Kevin Carter

documentário na íntegra:
http://www.youtube.com/watch?v=JmmPzcBSlPk


 Kevin Carter (1960-1994) começou a carreira em 1983, fotografando eventos esportivos para o jornal Sunday Express, de Johannesburgo, maior cidade da África do Sul. Logo trocaria de jornal e passaria a cobrir atrocidades políticas para o diário Star. Com os fotógrafos Greg Marinovich, Ken Oosterbroeck e João Silva, reportou em imagens espetaculares a crueldade do apartheid nos anos entre a libertação de Nelson Mandela (1990) e sua eleição como primeiro presidente negro do país (1994).

O quarteto recebeu o apelido de Clube do Bangue Bangue, pela coragem em expor a própria vida em busca de retratos do terror ao redor. O risco era alto. Oosterbroeck foi morto ao ser atingido por uma bala à queima-roupa, disparada por engano pelas forças de manutenção de paz, no subúrbio de Tokhoza. Marinovich precisou se submeter a sete cirurgias após ser baleado no peito, mas sobreviveu.

Em comum, os quatro - com exceção de João Silva, de Moçambique – cresceram em ambiente branco-burguês, numa desigual África do Sul, e se mostravam desiludidos com o país, com a sociedade racista e com a existência em si. Marinovich declarou que vivia de registrar a vida dos outros para tentar esquecer-se da sua própria. Talvez por isso a tamanha coragem e frieza.

“Um homem ajustando suas lentes para tirar o melhor enquadramento do sofrimento dela talvez também seja um predador, outro urubu na cena”, comentou sobre a própria obra o fotógrafo sul-africano.  A polêmica foto em si (essa da capa do documentário que correu o mundo em épocas inclusive póstumas ao seu suicídio)  foi tirada em março de 1993, numa viagem ao sudeste do Sudão. Carter chegou com a intenção de documentar os movimentos rebeldes do país, mas o horror da fome e da miséria acabou conduzindo seu trabalho.



Numa dessas expedições, Carter encontrou a criança da foto rastejando faminta até um campo de alimentação da ONU, a aproximadamente um quilômetros do local. O fotógrafo observou a garota e percebeu um urubu a espreita. Carter diz ter aguardado até vinte minutos esperando que o pássaro se retirasse. Como o urubu não saiu, ele procurou o melhor enquadramento, tirou a foto e açoitou o predador. Depois, partiu dali abandonando a criança da maneira que a encontrou. Bem, essa é a lenda que nutre a polêmica! 

Publicada primeiramente no The New York Times, em 26 de março de 1993, a foto melacólica ao extremo surtiu imediatamente uma reação popular através de cartas e telefonemas que inundaram a redação do jornal americano, questionando o paradeiro da criança (até pouco tempo desconhecido) e o comportamento do fotógrafo após conseguir a imagem. Uma situação no mínimo, paradoxal, pois se para grande parte do público o fotojornalista foi desumano, sádico e frio, por não intervir no sofrimento da criança, para a crítica especializada Kevin Carter merecia todos os cumprimentos pelo profissionalismo e objetividade sendo reconhecido com o Prêmio Pulitzer por Fotografia, em 23 de maio de 1994, o mais importante prêmio jornalístico do mundo, ao mesmo tempo em que sofria pressão popular e pessoal pela sua foto mais famosa. “Essa foi a minha foto de maior sucesso, depois de dez anos como fotógrafo, mas não quero pendurá-la na parede. Eu a odeio” declarou em entrevista a revista American Photo.



Nenhum dos outros membros do Clube Bangue Bangue imaginaria um fim tão trágico para Kevin Carter. Após a foto que o tornara conhecido mundialmente, o fotógrafo começara a abusar exageradamente das drogas e vivia reclamando da falta de dinheiro, da depressão e da enorme culpa. Em 27 de julho de 1994 levou seu carro até um local da sua infância e suicidou-se utilizando uma mangueira para levar a fumaça do escape para dentro de seu carro. Ele morreu envenenado por monóxido de carbono aos 33 anos de idade. Partes da nota de suicídio de Carter dizia:

"Estou deprimido… Sem telefone… Sem dinheiro para o aluguel.. Sem dinheiro para ajudar as crianças… Sem dinheiro para as dívidas… Dinheiro!!!... Sou perseguido pela viva lembrança de assassinatos, cadáveres, raiva e dor... Pelas crianças feridas ou famintas... Pelos homens malucos com o dedo no gatilho, muitas vezes policiais, carrascos... Se eu tiver sorte, vou me juntar ao Ken..."

Seus colegas receberam a notícia do suicídio com irritação e passaram a defender Carter ao público, ressaltando seu profissionalismo e tentando explicar mais uma vez a ocasião da foto. Segundo eles, osfotógrafos recebiam a recomendação para não tocar em pessoas na África, sob o risco de contágio. Marinovich, depois de algum tempo, disse que também vivia atormentado com as imagens perturbadoras que ele próprio captara. A ideia de suicídio rondava sua mente freqüentemente e  certa vez quase se atirou nas águas do Rio Danúbio.



O fato tomou grandes proporções, sempre dividindo opiniões. Em 1996, a banda do País de Gales, Manic Street Preachers, conhecida por seu comportamento radical e declaradamente socialista, ironizou a atitude do fotojornalista com a canção “Kevin Carter”, do álbum Everything Must Go. (eu, Porão, coloco-me como solidário ao Bang Bang Club e suas causas, expondo minha admiração por Carter e me pergunto de que esses pseudo comunistas afetados entendem sobre o assunto fotojornalismo e todas as suas nuances?) Este documentário The Death of Kevin Carter: Casualty of the Bang Bang Club do diretor  Dan Krauss [A Morte de Kevin Carter: O Desastre do Clube Bangue Bangue] recebeu uma indicação ao Oscar em 2006. O filme Amor Sem Fronteiras (2003), estrelado por Angelina Jolie, recria em cena a imagem da foto captada por Kevin Carter.

A história do quarteto virou livro, escrito pelos sobreviventes Greg Marinovich e João Silva. “O Clube do Bangue-Bangue”, lançado no Brasil em 2003, pela Cia. Das Letras, é um relato dos dilemas éticos que o quarteto constantemente passava. Um dilema que o jornalista deve estar sempre disposto a enfrentar. Segundo Marinovich: “Tragédias e violência certamente geram imagens poderosas. É para isso que somos pagos. Mas cada uma dessas fotos tem um preço: parte da emoção, da vulnerabilidade, da empatia que nos torna humanos se perde cada vez que o obturador é disparado. Evidente que em grau maior, trata-se da mesma banalização que nos acomete ao olhar os jornais diariamente: há abismos demais.” 

Polêmicas esclarecidas ou confortadas, numa tentativa pífia de se "estabilizar" o absurdo humano, fome, miséria, ego, suicídio, assim numa falta de sequência esclarecedora para nossas almas conturbadas, sabe-se hoje, que após tirar as fotografias, Carter afastou o abutre e sentou-se à sombra de uma árvore para fumar um cigarro, enquanto a criança, esgotada e faminta, retomou  sua lenta e penosa marcha pela sobrevivência.

Até há pouco tempo desconhecia-se o destino do rapaz: uma investigação dos jornalistas do El Mundo revelou finalmente o destino de Kong Nyong – assim se chamava. Sobreviveu à fome, mas 13 anos depois de aparecer na foto acabaria morto, atacado por febres.

O suicídio de Kevin Carter é contado entre os fotojornalistas como um aviso aos novatos, servindo como exemplo dos perigos de se fotografar demasiadamente próximo das misérias humanas. O documentário de Dan Krauss dentre outros questionamentos exalta nessa foto o momento em que Kevin incorporou, na criança moribunda, «o sofrimento de África» e, no abutre, «o seu próprio rosto».
















fotos de Kevin Carter (exceto os retratos do próprio fotógrafos realizados por outros membros do Bang Bang Club)
pesquisas e estudos realizados em revistas, sites, filmes, no próprio documentário e na minha concepção particular pois sou repórter fotográfico e creio que temos (a classe) poder opinativo (longe de mim decisivo) relevante quanto ao assunto/mito Kevin Carter

por Porão

Nenhum comentário:

Postar um comentário