sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

CAPA Comics - Por Uma Ótica Acirrada da Baixada

Capa Comics é um coletivo de artistas pirados de HQ`s da Baixada Fluminense altamente gabaritados para seduzir e aliciar outras pessoas "despirocadas" das ideias assim que nem um velho punk imaturo (graças aos deuses) como eu. Nutro, faz anos, uma admiração pela Baixada, por suas Mulheres lindas (já me relacionei, me apaixonei e fotografei algumas que afirmo inesquecíveis); pelo povão simpático e "pau pra toda obra"; pelo auto teor de malandragem natural da região. João Carpalhau - espécie de porta voz desses subversivos cheios de segundas intenções (normal, são malandros da Baixada) - é o criador do Detrito, o personagem de quem mais gostei (até me identifiquei com ele) e trocou algumas falas conosco. Sim, assim no plural, porque chamei meu amigo Diego - aficcionado, apaixonado, alucinado por quadrinhos e que peida na PM (eu vi isso, juro!) - para juntos iniciarmos um interrogatório investigativo pois tenho uma tese de que "se sua procedência é da Baixada, ou você é muito boa coisa ou uma coisa muito ruim" . O Detrito faz parte da primeira possibilidade porém sofre preconceitos que o relacionam a segunda. A gente só quer entender e contar essa história pra todo mundo saca?


entrevista por Diego Aguiar Vieira e Maurício Porão


Diego Vieira - Optou-se por uma ambientação realista nas histórias. Isso faz parte da onda de quadrinhos autorais que tem surgido no mercado ou é mesmo vontade de tocar um "foda-se" e mostrar um lado pouco visto nos quadrinhos nacionais?


Carpalhau - Olha véio, na Capa, internamente, costumamos nos tratar por "navio pirata", daí você já imagina. Acredite, um bando de malucos da Baixada jamais pensou no mercado quando criou a iniciativa. A coisa se deu meio como "se você construir, eles virão". O elemento regionalidade foi quase que um processo natural; queríamos literalmente brincar no quintal de casa. 

Diego Vieira - Conhece o trabalho de Marcelo D'salete? Ele também faz quadrinhos ambientados no mundo real, com pessoas que respiram e tem vidas e dramas que não se respondem nas histórias contadas, que vão para antes e depois... Isso reflete suas intenções de criação?


Carpalhau - Não conheço a fundo o trabalho do D'salete, mas gostei do pouco que vi. Na Capa, como somos um coletivo o processo de criação é bastante curioso, lançamos a ideia inicial e todo mundo, de um jeito ou de outro, acaba contribuindo. De alguma forma, tentamos falar algumas verdades através de nossas mentiras da ficção. 

Diego Vieira - Você reuniu uma galera e tanto para a Capa Comics. Tem gente aprendendo com vocês? Qual o histórico dessa galera?


Carpalhau - Todo mundo na Capa Comics já fazia ou tinha alguma experiência com quadrinhos. Então, um dia resolvemos unir forças e formar uma conexão, um elo forte que vai além do simples trabalho, mas está fortemente ligado a amizade e a vontade de se fazer o que se gosta. Os laços da galera são longínquos e por mais que tenha gente que se conheça recentemente, todos se integram através de um mesmo sonho, fazer quadrinhos da baixada para o mundo. Estamos nos organizando para iniciar os trabalhos de 2014 e tem muita coisa boa por vir, como por exemplo oficinas de quadrinhos e as gibitecas que estamos negociando com as prefeituras de Duque de Caxias e Mesquita para a implantação do projeto. Nossa ousadia ainda é maior e queremos que cada biblioteca deste país possa ter um espaço reservado aos quadrinhos. E sem essa de que quadrinho autoral não tem leitor. Quanto ao histórico da galera, pra querer todas essas coisas, posso te garantir que só tem maluco. 


Diego Vieira - Qual a sua história, João? De tanta coisa pra se fazer com arte nesse Brasil, por que logo quadrinhos?


Carpalhau - Eu fui alfabetizado em casa pela minha mãe com quadrinhos. Rocketeer e Batman foram minhas cartilhas de leitura e me ajudaram a atenuar a dislexia. Os quadrinhos podem resgatar o que há de melhor em nós, nos fazer ir além de uma percepção simplória do universo. Acho que é isso que Stan Lee queria nos dizer quando terminava seus textos com a palavra "excelsior" (mais ao alto). Fora isso, muito tesão pela arte (rs). 


Diego Vieira - Quais seus autores favoritos, dentro e fora dos quadrinhos? O que te inspira?


Carpalhau - Nos quadrinhos Will Eisner, Alan Moore, Neil Gaiman, Garth Ennis, nossa! Tem um porrilhão de autores. Também gosto de filosofia e história, mas tento ler e ver de tudo, assisto aos melhores e piores programas de TV, leio os piores e os melhores jornais. É bom enxergar outros olhares, talvez isso seja minha principal fonte de inspiração, perceber aquilo que está ali, todo mundo viu, mas ninguém pensou que poderia ser visto de uma outra forma. 

Diego Vieira - Para onde vai a Capa Comics?

Carpalhau - Só o futuro dirá, mas se quiser nos acompanhar pegue a segunda estrela a direita e siga em frente, até o amanhecer. Ou continuem acessando e curtindo www.capacomics.com


Diego Vieira - A Baixada produz e o mundo quase não vê, mas ela vai lá e, deleuzianamente convoca as máquinas de guerra culturais. Que tá pegando ao redor? A Capa Comics vai se unir ao Mate com Angú, as personagens vão virar filmes?


Carpalhau -  A Baixada está cheia de forças positivas e o Mate, sem dúvidas é uma delas. Sempre nos foram uma inspiração como coletivo. Não há nada acertado com eles, mas quem sabe a gente não conversa e pode fazer alguma bela parceria. Por enquanto, o que há é uma subdivisão de animação da Capa Comics em andamento. Teremos animações ambientadas em nosso universo de quadrinhos. Essa mesma galera também vai produzir jogos e aplicativos para celular. Há também uma parceria com o Cine Clube Ágora para a produção de uma websérie do Seu Joel, o Igor Cotrim deve ser envelhecido uns bons anos e vai encarnar o caçador de monstros, mas ainda é tudo a longo prazo. Nós realmente queríamos que o dia tivesse mais de 24 horas e não precisássemos dormir. 


Diego Vieira - Quando é que vai botar fogo no mundo com esses quadrinhos?

Carpalhau - Um incêndio começa a partir de uma centelha. Nós ainda estamos no começo e tem muita coisa por vir. 


Porão - Detrito é um super-herói, mas não do modo tradicional. De certa forma, lembra uma espécie de Monstro do Pântano, não apenas por suas questões sociais, mas por fazer isso através do terror. Tem influência do Alan Moore nessa parada?


Carpalhau - Na verdade, confesso que só parei pra ler Monstro do Pântano com afinco bem depois que criei o Detrito. Não posso negar que sou fã do trabalho do Alan Moore, mas quando criei o Detrito, pensava mais na Metamorfose de Kafka e no Frankenstein de Mary Shelley. No final das contas, Detrito é um drama de homem que se perguntou até que ponto a coisa podia piorar e ele luta para que sua humanidade prevaleça sobre o monstro que se tornou. 

Porão - E esse universo da Capa Comics, tá se coadunando? Os astros vão se encontrar? Ninguém salva o mundo na periferia, mas as pessoas salvam o próprio dia. É esse o caminho?


Carpalhau - O universo está sempre conspirando e inspirando. O caminho é a aceitar a vida e tentar transformá-la, a medida do possível, em um devir. Na Capa Comics, acreditamos que quando você se aceita, você se torna uma pessoa melhor e ninguém além de você mesmo é tão capaz de realizar qualquer coisa que queira. Então, é tudo nosso!


continua...

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