terça-feira, 14 de janeiro de 2014

cine noia - Bonitinha Mas Ordiniária



Nelson Rodrigues é um dos maiores dramaturgos que o Brasil já teve, mas não é devido a isto que tudo aquilo produzido a partir de seus textos seja necessariamente bom. Se até no teatro, local de origem de boa parte do material por ele produzido, há mudanças consideráveis a cada nova montagem, quanto mais em adaptações para veículos distintos como a TV e o cinema. O diretor Moacyr Góes, que já havia trabalhado com o textoBonitinha, mas Ordinária nos palcos, encampou a tarefa de mais uma vez adaptá-lo para as telonas prometendo fazer o “seu” Bonitinha, mas Ordinária. Este toque pessoal tem a ver com uma suposta modernização da história, que saltaria para os dias atuais apesar de manter o enfoque nas diferenças das classes sociais e na questão da crise de valores. Tudo muito bonito na teoria, mas na prática o que se vê é algo próximo do desastre.


O filme começa já com uma das atualizações promovidas por Góes, com a famosa cena da curra sendo transferida para uma favela carioca em meio a um baile funk. O problema não é nem a mudança de cenário, mas a forma como a sequência como um todo é apresentada. No melhor estilo videoclipe, com uma edição picotada em que cada cena dura poucos segundos, a abertura conseguiu a proeza de estragar aquele que deveria ser o momento mais impactante do longa-metragem – vale lembrar que um dos momentos marcantes da carreira de Lucélia Santos é justamente ao interpretar este momento na versão anterior da mesma peça de Nelson. Mais ainda, além da edição equivocada existe um excesso da própria sequência da curra, que surge no decorrer do filme três – isso mesmo, três – vezes! Cada uma com pequenas modificações, mas ainda assim que não justificam tamanha exploração. Ou seja, o que deveria ser algo marcante acaba sendo banalizado e, mais ainda, mal aproveitado dentro da história como um todo.

Entretanto, o que mais incomoda neste novo Bonitinha, mas Ordinária é o excesso de closes. Pode-se dizer que o filme praticamente todo é com a câmera em cima do rosto dos atores, mal deixando espaço para que se possa ver o ambiente em torno deles. Há uma quantidade absurda de planos e contraplanos, maior até do que se costuma usar na TV, que provocam um enorme cansaço no espectador. Isto sem falar na trama que transforma a famosa frase de Otto Lara Rezende, “o mineiro só é solidário no câncer”, numa espécie de mantra que percorre toda a narrativa. Por mais que o diretor tenha tido a intenção de se manter fiel à peça escrita por Nelson, há um exagero em torno desta característica que se materializa na repetição contínua do tema. O abuso é tão grande e tão absurdo que até mesmo a surreal pergunta “como vai a frase hoje?” aparece em determinado momento. O personagem de Leon Góes encontra o de João Miguel e a solta, sem pensar duas vezes, como se fosse algo absolutamente normal perguntar como vai uma frase!!! Ok, é claro que Nelson Rodrigues queria se referir à esta sensação de egoísmo e de cada um por si que percorre as pessoas, numa espécie de crítica aos valores da época. Mas, ainda assim, trata-se de uma forma bem equivocada de abordar o tema.


Há ainda mais problemas em Bonitinha, mas Ordinária. Um deles é na própria modernização da história, que acontece de forma capenga. Se por um lado certas sequências foram atualizadas, como a da curra, por outro o dinheiro continua sendo de época. Mais ainda, a própria situação de uma adolescente sendo oferecida em casamento pelo pai como forma de “salvar a honra da filha” devido à perda da virgindade da forma como foi soa completamente anacrônica nos dias atuais. Ainda mais em pleno Rio de Janeiro, onde a história é situada.

Com tantos problemas, Bonitinha, mas Ordináriaé um equívoco quase total. O pouco de interesse que proporciona é justamente pelo texto de Nelson Rodrigues, que traz frases polêmicas e espirituosas como “mulher rica nem transpira” e “não sou defunto de cova rasa” - mais pelo lado inusitado do que propriamente pelo seu uso dentro do filme. Diante de tantos problemas, o elenco acaba desperdiçado. João Miguel e Letícia Colin ainda tentam dar alguma dignidade aos seus personagens, apesar dos exageros de cada um, mas Leandra Leal chega a irritar devido à constante repetição da fala “deixa eu explicar”. Isso sem falar de Gracindo Jr., extremamente over na pele de Werneck. Resumindo: trata-se de um filme muito ruim, com problemas sérios que passam pela direção, elenco e ainda questões técnicas. Quem deseja conhecer Bonitinha, mas Ordinária deve procurar pela peça teatral ou ainda a versão estrelada por Lucélia Santos, que não é nenhuma obra-prima mas é muito melhor que esta nova adaptação.

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