Inspirado na história de um famoso golpista e sua amante/parceira no crime que são forçados a trabalhar com um descontrolado agente federal para desmascarar outros vigaristas, mafiosos e políticos corruptos,American Hustle (Trapaça no Brazuka) é dirigido por David O. Russell e tem pesos como Christian Bale, Amy Adams, Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Jeremy Renner, Louis C.K., Alessandro Nivola, Jack Huston, Michael Peña, Elisabeth Röhm, Saïd Taghmaoui e Robert De Niro a trama.
Em certos aspectos, é um filme mais scorsesiano que O Lobo de Wall Street, com o qual compete (iu - depende de quando você ler) no Oscar de 2014. Empregando múltiplas narrações em off, movimentos de câmera ostensivos que se aproximam de personagens ou objetos específicos, planos-sequência que apresentam o universo da narrativa e uma trilha sonora repleta de músicas que ajudam a criar uma atmosfera de época; este trabalho de David O. Russell se dá ao luxo de empregar Robert De Niro em uma (quase) ponta que remete ao submundo da máfia onde se tornou célebre na filmografia de Scorsese. American Hustle funciona bem, não só por contar uma história interessante e povoada por figuras curiosas, mas também por representar um exercício de estilo que homenageia um dos melhores cineastas da História da Sétima Arte.
Informando ao espectador logo no início que “parte” da trama é inspirada em fatos reais, o roteiro de Eric Warren Singer (e reescrito pelo próprio Russell) se passa no final da década de 70, quando o trapaceiro Irving Rosenfeld (Bale) promete conseguir empréstimos generosos em troca de um pagamento de cinco mil dólares – empréstimos estes que jamais se concretizam - envolvendo-se com a bela e igualmente trapaceira Sydney (Adams); acabam encurralados pelo agente do FBI Richie DiMaso (Cooper), que obriga o casal a ajudá-lo em uma operação para prender outros estelionatários. Aos poucos, porém, DiMaso passa a mirar políticos e mafiosos, usando o bem intencionado prefeito de New Jersey, Carmine Polito (Renner), como seu alvo principal.
É o tipo de obra que leva o espectador a se lembrar de figurinos, penteados e cenários que ressaltam o estilo dos personagens, apropriadamente vividos pelos atores com largos maneirismos que sacrificam a naturalidade absoluta em prol de uma composição mais técnica.
Técnica esta que Christian Bale, numa demonstração fabulosa de seu talento e disciplina como ator, consegue evitar mesmo empregando uma composição física extrema – e é um espetáculo grotesco vê-lo, nos minutos iniciais de projeção, montando vaidosamente sua aparência ao empregar cola, peruca e o próprio cabelo para cobrir a careca enquanto sua imensa barriga parece querer chegar ao chão. Ainda assim, Irving jamais se transforma num ser unidimensional definido por sua aparência ridícula: inteligente e inescrupuloso, ele se torna próximo do espectador não só por ser o primeiro a se apresentar como narrador, mas por exibir sua vulnerabilidade de forma tão honesta – seu amor patente por Sydney e pelo filho adotivo o torna humano e complexo. Além disso, Bale é hábil ao retratar não só o pânico crescente do personagem à medida que é obrigado a enganar pessoas cada vez mais poderosas, mas também ao sugerir sua culpa diante do que está fazendo com o nobre Carmine – e é revelador quando, em certo momento, ele fecha os olhos ao dizer mais uma mentira, como se precisasse excluir o amigo de seu campo de visão para criar coragem ao continuar a enganá-lo. Enquanto isso, Amy Adams converte Sydney na figura mais enigmática da narrativa, já que a moça salta do amor por Irving ao ressentimento, exibindo também raiva, medo e confusão sem que, contudo, nos deixe esquecer que a garota é tão inteligente e manipuladora quanto o parceiro – e provavelmente mais perigosa.
Igualmente complexo, por sinal, é o agente interpretado por Bradley Cooper: a princípio demonstrando um zelo admirável pelo trabalho e pelo objetivo de encarcerar malfeitores, o sujeito aos poucos revela suas verdadeiras motivações, que passam mais pela ambição carreirística do que pelo apego à Lei. Ao mesmo tempo, o agente DiMaso entrega certo despreparo para a função em momentos-chave, como ao mostrar-se afoito para empurrar o dinheiro rumo ao alvo ou ao permitir que Irving basicamente controle suas estratégias (além, claro, da falta de ética ao tentar envolver-se com uma criminosa sob sua supervisão). Assim, quando eventualmente ele aparece completamente descontrolado (algo ressaltado até mesmo pela distorção eletrônica de sua voz em certo instante e por um grito histérico em outro), constatamos a razão de Irving ao temer os impulsos de “justiça” do sujeito.
bastidores |
Eficaz ao pontuar sua trama de crimes e golpes com um senso de humor curioso, American Hustler tem através de seu diretor, um trabalho bem sucedido ao construir uma narrativa movida por alianças ditadas mais por inseguranças amorosas do que pelas necessidades imediatas dos personagens e que, de quebra, ainda constrói um conflito interessante ao sugerir que, mesmo interessados em prender apenas criminosos reais, os “mocinhos” representados pelo FBI se tornam vilões em função de seus métodos e de suas ambições.
Pode até ser uma espécie de Os Bons Companheiros versão light, mas não deixa de ser incrivelmente divertido.
pesquisas/texto por Porão
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