quarta-feira, 26 de março de 2014

coisas da Vice: SEJAM BEM-VINDOS AO LAR DAS GANGUES MAIS FAMOSAS DE EL SALVADOR


post original:
http://www.vice.com/pt_br/read/masmorra-de-san-salvador

Todas as fotos por Gilles Clarke, em conjunto com Getty Images.

Masmorra

As duas principais gangues de San Salvador são a Mara Salvatrucha (MS-13) e a Barrio 18 (M18). As duas foram fundadas em Los Angeles nos anos 1980 por um grupo de imigrantes pobres — a maioria deles ilegal. Inicialmente, seus membros consistiam quase exclusivamente de pessoas que fugiam da guerra civil de El Salvador. Muitos desses integrantes foram deportados e voltaram para seu país de origem depois do fim da guerra, em 1992, levando consigo uma cultura de gangues organizadas e impiedosas.

Por quase duas décadas, os dois grupos têm se matado mutuamente das maneiras mais brutais possíveis e se expandido pela América Latina. Em 2011, o índice de homicídios atingiu o pico de 15 assassinatos por dia em El Salvador. Em 2012, uma trégua foi negociada entre o MS-13 e o M18 com a assistência de líderes religiosos e do governo. O objetivo da trégua era conter o número cada vez maior de tiroteios e mortes, concentrando esforços nos membros mais jovens das gangues e tirando algumas das armas de circulação. De acordo com líderes das quadrilhas, o momento era bom para dialogar e pôr um fim à violência. Depois que o tratado amplamente divulgado foi assinado, os efeitos foram quase instantâneos e o índice de homicídios caiu 52% em 15 meses. No entanto, no início de julho de 2013, as tensões voltaram a fervilhar e 103 pessoas foram mortas no país em uma única semana, deixando os salvadorenhos com a impressão de que algumas coisas talvez nunca mudem.

Pouco antes do surto de violência, viajei até um subúrbio perigoso a 32 km de San Salvador e passei um tempo com um capitão da polícia e unidades responsáveis pela patrulha desta área particularmente problemática na qual tanto o M18 quanto o MS-13 vivem e atuam. Não vou revelar o nome nem a jurisdição do capitão por temer que ele possa sofrer alguma punição em razão de sua franqueza e por todo acesso que me deu. Ele foi generoso e paciente, e me explicou muita coisa sobre como o policiamento funciona num país pós-trégua. Ele me disse que tem muito orgulho de ter recrutado mulheres policiais para lidar com casos de violência sexual e doméstica, e de ter dado apoio e assistência às vítimas desses crimes.

Em meu último dia com o capitão, ele mencionou o problema de superlotação do sistema carcerário salvadorenho. Quando o pressionei por mais informações, ele se ofereceu para me mostrar o que chama de “jaulas de gangues” e me levou até o fundo da delegacia, escoltado por quatro guardas.



Num pátio abafado e imundo cercado de muros altos com arame farpado estavam três jaulas. Elas tinham 3,5 metros de largura e 4,5 de altura — todas abarrotadas com mais de 30 corpos humanos. O M18 e o MS-13 tinham suas próprias jaulas e uma terceira ficava reservada aos “criminosos comuns”. Elas foram construídas inicialmente para servir como detenções provisórias de 72 horas, mas me disseram que muitos dos presos já estavam confinados ali há mais de um ano. Eles passam a maior parte dos dias desfazendo suas roupas e usando os fios para costurar redes, onde dormem apinhados uns sobre os outros como troncos de madeira.

Conversei com um homem de uma perna só, veterano da guerra civil, que afirmou estar detido na jaula comum há mais de cinco meses por protestar contra o corte de sua assistência médica feito pelo governo. Na jaula do M18, conheci um dos chefes da gangue que assinou o tratado de trégua em 2012, um homem que se identificou como Henry. Através das barras, ele falou comigo em tom sussurrado sobre seu papel na tarefa de ajudar a desarmar seu grupo. “O acordo era que todos, inclusive a polícia, baixassem as armas.”



“Ajudei a reunir essas armas e supervisionei a destruição delas. Nós, as gangues, fizemos isso, mas a polícia, não. Também estamos educando os mais novos. Alguns membros estão entrando com dez anos. Oferecemos aulas de catequese e distribuímos Bíblias — as duas gangues fizeram isso. Estamos tentando acabar com a violência e ter fé pode ajudar nisso.” 

Depois de meus 40 minutos no cárcere, os guardas me mandaram embora. Perguntei ao capitão se poderia voltar no dia seguinte para conversar mais com os prisioneiros e ele concordou.

Na manhã seguinte, o capitão me contou que há mais de dez anos nenhum fotojornalista tinha conseguido permissão para ver aquela prisão e o rumor da minha presença, de alguma forma, chegou à assessoria de imprensa da polícia em San Salvador. Eles não ficaram felizes, disse o capitão, e, ao que constava, estavam a caminho para “conversar” comigo. Os guardas falaram para o Henry que eu tinha sido proibido de voltar, e como os presos não podem receber visitas, ele ficou irritado e começou a ameaçá-los.

Minha situação estava ficando mais complicada a cada instante. O capitão chegou a me perguntar se eu poderia devolver as fotos que tinha tirado das jaulas. Recusei. Ele entendeu, mas disse para eu ir embora imediatamente. Tivemos uma conversa amigável enquanto ele me acompanhava até o carro. Ele estava visivelmente aflito com a tempestade que se formava, mas parecia de alguma forma resignado com tudo aquilo.

Acabei concluindo que o capitão me mostrou as jaulas porque estava frustrado com as condições desumanas que tinha sob sua responsabilidade, sem esperança de que a situação melhorasse num futuro próximo. Durante nossas conversas, ele mencionou que não existe sequer um orçamento para as necessidades mais básicas dos presos, como comida, e falou sobre problemas de saúde frequentes dos cativos. “Precisamos de um médico em tempo integral aqui”, disse. “Essas jaulas estão cheias e muitos estão doentes. Será que suas fotos vão ajudar de algum jeito?”

Essa foi a última coisa que ele me disse quando entrei no carro. Duas horas depois, eu estava no aeroporto fazendo check-in para deixar o país.

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