quinta-feira, 29 de maio de 2014

Doce, doce, doce

Jesus and Mary Chain no Rio por Marcos Bragato

http://www.rockemgeral.com.br/2014/05/28/doce-doce-doce/
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Em uma noite fadada a comparações, o Jesus And Mary Chain volta o Rio 24 anos depois como a principal atração do Vivo Open Air, festival que mistura exibição de filmes com shows ao vivo. Comparações não só com a já polêmica apresentação de São Paulo no domingo passado (saiba mais), mas com a própria história da banda dos irmãos Jim e William Reid. E o retrato do grupo, 30 anos depois, mostra um arrefecimento do ponto de vista das guitarras em prol do lado mais doce das canções, verdadeiras peças de bom gosto do pop rock global. Contudo, não deixa de ser curioso o paradoxo estabelecido: justamente quem nos ensinou a apreciar melodias doces e colantes escondidas atrás de densas muralhas de distorções, hoje, na pós-maturidade, abole o esporro..


Mas não é exatamente assim. Se o zumbido que promete saltar do imaginário coletivo via autofalantes não chega a assustar Lemmy Kilmister e sua troupe, aboa qualidade do som, em volume e densidade, realça, sim, o modo peculiar de William tirar som (ok, tocar) de sua guitarra. É o que acontece em “Blues From a Gun”, com um grave distorcido de estourar o assoalho do baile, além de um solo canhestro como bônus; a genial condução de “All Things Must Pass”, boa canção que o público parece desconhecer; e a triste “Some Candy Talking”, cuja batida vibrou no peito e fez – essa sim – o povão vibrar e Jim mandar um “fuck!” no final, cuja tradução poderia ser: é disso que eu tô falando! Mas que foi duro ver a banda mandar ao vivo as menos barulhentas do emblemático álbum “Psychocandy”, isso foi.


Não que perturbasse, de todo, o público. Equivoca-se quem pensa que a empolgação de uma plateia, seja ela qual for, depende do pula-pula de um frontman ou de quantas vezes ele solta um desses “jump motherfucker” da vida. Desde que esse tal de rock’n’roll foi inventado, é ele próprio que tem esse poder. Se não fosse assim, as discotecagens rock seriam – muitas vezes são – um programa dos mais entediantes. Daí que se Jim Reid e asseclas estão lá paradões, a música que eles produzem levanta o público desde cedo. Também, o (vá lá) hit “Head On” é logo o segundo da noite e faz todo mundo pular e cantar com uma alegria contagiante. Para quem não tinha visto, Jim sorri mais de uma vez, entre agradecimentos com uma timidez bem explorada e solta até gargalhadas. Aviso dado aos irmãos Reid: deixem a cabeça baixa do lado de lá da Dutra, vocês estão no Rio.

O show tem clima de reencontro porque marca a primeira vinda do grupo à cidade desde 1990, sendo que, daquela vez, tinha mais gente nas fileiras do Canecão do que no primeiro treino do Garrincha em General Severiano. O símbolo dessa espécie de cara a cara é o DJ Edinho, conector da corrente perdida entre duas épocas e que sabe divertir o público antes do show e segurá-lo mais um pouco na Marina da Glória, numa chuvosa – tinha que ser – madrugada de quarta-feira. Porque se intenso, o show é curto, sim (cronometrados 64 minutos), mesmo para uma carreira de enxutos seis álbuns. Se servir como consolo o fato de o repertório cobrir várias fases, incluindo músicas só lançadas como singles ou em coletâneas, fica também o dissabor de que dava para ter entrado mais umas três ou quatro canções.



O que - de fato – só serve para preservar o aspecto enigmático e hoje “cult”, na falta de outro termo, do Jesus And Mary Chain. Quem são esses sujeitos de olhar compenetrado? Por que permanecem, depois de tanto tempo, de cabeça baixa? De onde vem essa fatal obsessão pela mistura de guitarras e melodias como receita para o pop perfeito? Perguntas que não ganham respostas nem depois do desfecho da noite, com três músicas sem cara de bis, e reforçam os dilemas que remetem ao tempo em que o termo guitar band ainda estava sendo forjado. Uma apresentação que, no frigir dos ovos, mais do que um show de rock, vale pela experiência que não pode ser renunciada por quem jamais se pôs incólume ante ao ranger de uma guitarra.



Set list completo:



1- Snakedriver
2- Head On
3- Far Gone and Out
4- Between Planets
5- Blues From a Gun
6- Teenage Lust
7- Sidewalking
8- Cracking Up
9- All Things Must Pass
10- Some Candy Talking
11- Happy When It Rains
12- Halfway to Crazy
13- Just Like Honey
Bis
14- The Hardest Walk
15- Taste of Cindy
16- Reverence


      sinceramente, é só isso que me interessa:




entrevista por Marcos Bragato
editor do http://www.rockemgeral.com.br/
fotos de Luciano Oliveira

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