quinta-feira, 4 de setembro de 2014

cine noia - Nebraska



Enquanto roteirista, Alexander Payne continua um ótimo diretor de atores


A escolha pelo preto e branco é o primeiro sinal de que Nebraska se dispõe a flertar com o passado. Depois vêm os efeitos na imagem: fusões, fades e transições, ferramentas do cinema clássico, hoje em desuso. A trilha country melancólica de Mark Orton completa o pacote evocativo.

A questão é saber se o diretor Alexander Payne, um autor contemporâneo, com suas tendências ao cinismo e à auto-ajuda, de filmes como Sideways e Os Descendentes, é capaz de fazer uma elegia de fato ao passado que ele busca na sua Nebraska natal, ou se teremos outra de suas comédias dramáticas cheias de nostalgia fake daquilo que se evitou viver.

Bruce Dern faz Woody Grant, um velho alcoólatra que acredita ter ganho US$ 1 milhão em um folheto de assinatura de revista. Ele precisa viajar de Montana, onde vive, até Lincoln, a capital do Nebraska, para reclamar o prêmio - sandice que seus parentes passam os dias tentando demover. Cansado, enfim, de sair pelas ruas atrás do pai, que insiste que vai viajar a pé para o Nebraska, David (Will Forte) aceita acompanhar Woody de carro até Lincoln.

Esse é o início do filme-de-estrada de Payne, que seleciona imagens na rodovia - caminhões, motoqueiros, maquinário agrícola, celeiros - já como um primeiro passo do seu resgate de uma velha América, a potência industrial dos muscle cars e do faça-você-mesmo. Quando David e Woody passam ao lado de um trem cargueiro, o velho baixa o vidro para enxergar melhor essa remota lembrança do Sonho Americano, o desbravar sobre trilhos.
Nebraska se desenrola como uma versão light e condensada do romance As Correções, de Jonathan Franzen (que a HBO desistiu de transformar em série de TV por achar que seria deprimente demais). Tanto o livro quanto Nebraska partem de um choque de gerações para criticar a modernidade (o home theatre que funciona como uma cela de prisão, boa sacada do filme) e restabelecer o valor das "coisas feitas para durar".

Como é habitual, Payne se sai muito melhor na parte cômica de suas comédias dramáticas. Premiado em Cannes pelo papel, que originalmente ficaria com Jack Nicholson (que fizera antes As Confissões de Schmidtcom Payne), Bruce Dern exercita aqui um timing de humor preciso, assim como June Squibb, que interpreta a esposa de Woody. São os dois que trazem alma a Nebraska. A Will Forte resta o ingrato papel de panaca, numa caracterização impessoal que nos lembra das fraquezas do roteirista (a cena do soco é tão artificial quanto a "redenção" dePaul Giamatti tomando vinho no fast food em Sideways).





A fotografia pensada para maquiar esse tour guiado pode dar a impressão de que Nebraska está muito acima dos filmes anteriores de Payne, mas não se engane: embora seja lembrado sempre no Oscar (2013 - ganhou na Fotografia) na categoria de roteirista, ele continua sendo um ótimo diretor de atores e não muito mais que isso.







post original:
http://omelete.uol.com.br/festival-do-rio/cinema/nebraska-critica/


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