por Bruno Camelo
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http://www.adorocinema.com/filmes/filme-230772/criticas-adorocinema/
A sinopse de Sem Pena informa que este documentário aborda a questão do sistema carcerário brasileiro, com seus preconceitos, limitações e desafios. A descrição é pertinente ao conteúdo do filme, mas talvez o costume à abordagem telejornalística prepare o espectador para uma experiência muito diferente daquela proposta pelo diretor Eugênio Puppo. Ao invés de se deleitar com números, problemas de gestão e denúncias de superlotação nas prisões, o diretor dá um passo atrás e faz perguntas essenciais sobre a própria função da cadeia e a noção de justiça.
A maior surpresa diante desta obra é o fato de não mostrar as pessoas que prestam depoimentos ao filme. Não que elas apareçam com algum tipo de distorção da imagem sobre o rosto, para proteger sua identidade. Enquanto os entrevistados (detentos, juízes, filósofos) falam sobre a sua visão da prisão e suas experiências com o tema, o diretor busca analogias mais ou menos diretas à questão, como a fachada de prédios públicos, estátuas com símbolos de liberdade, tribunais etc. Desfilam pela tela dezenas de imagens de corredores de prisões, mas Sem Pena opta por tornar o debate intelectual, cerebral. A intenção nunca é comover o espectador através das histórias de abusos e injustiças, e sim fazê-lo pensar, ativamente.
Ao retirar do público a possibilidade de identificação com estas pessoas (afinal, elas não têm rosto ou corpo), cria-se um distanciamento curioso dentro do gênero. A crença do documentário como apreensão direta da realidade cai por terra, assim como a relação pedagógica entre som e imagem, já que as narrações sonoras não sublinham ou duplicam a imagem. O que existe neste filme é uma construção reflexiva do tema, como um debate de ideias que, enquanto tal, precisa sair do plano concreto e se livrar de amarras referenciais. Sem rostos, nomes ou datas, os depoimentos deixam de ser histórias puramente pessoais em contextos específicos, tornando-se casos universais, aplicados a qualquer um. A cadeia, em Sem Pena, é um problema social, uma questão que toca a todos os cidadãos.

O debate vem a calhar na época em que os governadores e prefeitos das maiores cidades do país defendem a redução da maioridade penal e a intensificação das penas como solução para a segurança pública. Ora, o filme apresenta o fato de que o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, e a primeira em termos de crescimento anual. Sem Pena apresenta o sistema carcerário brasileiro como uma instituição totalmente falida, não por falta de investimentos, mas por pertencer a uma estrutura que visa, acima de tudo, proteger os bens dos cidadãos em liberdade contra aqueles mantidos em isolamento.
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