A Magnum é provavelmente a agência de fotógrafos mais famosa do mundo. Mesmo que você não tivesse ouvido falar dela até agora, é muito provável que já conheça suas imagens – seja a cobertura de Robert Capa da Guerra Civil Espanhola ou as paisagens de férias bem britânicas de Martin Parr. Diferente da maioria das agências, os membros da Magnum são selecionados pelos outros fotógrafos da agência e, como eles são a maior agência de fotógrafos do mundo, se tornar um membro é algo muito difícil. Como parte de uma parceria com a Magnum, vamos apresentar o perfil de alguns de seus fotógrafos nas próximas semanas. Em 1962, Ian Berry foi convidado a se juntar à Magnum por Henri Cartier-Bresson — um cara que, em termos fotográficos, está bem próximo da canonização. O convite veio depois de seu trabalho na África do Sul, onde ele foi o único fotógrafo a testemunhar o massacre de Sharpeville, um dos eventos mais brutais do final do apartheid. Suas fotos foram usadas no julgamento do caso para provar que os protestos foram pacíficos. Ele já cobriu conflitos na Tchecoslováquia, Israel, Irlanda e Vietnã.
entrevista por Christian Storm da Vice Magazine
post original: http://www.vice.com/pt_br/read/ian-berry-faz-fotos-incriveis-de-massacres-e-inundacoes?Contentpage=1
VICE: Oi, Ian. Você está na Magnum há 50 anos, certo?
Ian Berry: Sim. Estou apavorado por admitir isso, mas sim. Isso diz alguma coisa sobre a minha inabilidade em deixar as coisas para trás, acho. Penso em me demitir todo ano e nunca vou em frente com isso.
Você começou na África do Sul. Como você acabou lá?
Bom, como todo jovem britânico, eu queria viajar. E naquela época você podia conseguir passagens subsidiadas para o que era a Commonwealth (Comunidade das Nações). Você podia ir à Austrália, Nova Zelândia, Canadá e África do Sul. A África do Sul me pareceu o destino mais emocionante. Sabe, eu achava que ia ver leões nas ruas de Joanesburgo e coisas assim. Rá. Acontece que minha família conhecia um fotógrafo lá que tinha acabado de voltar dos Estados Unidos, onde tinha sido assistente de Ansel Adams. E ele estava preparado para me garantir lá por um ano. Não era preciso um visto, mas você tinha que ter alguém que te garantisse lá. Então me mandei para a África do Sul e foi isso. Sem arrependimentos — foi uma época muito emocionante para se estar lá.
Você não teve uma educação formal em fotografia, certo?
Faculdade de fotografia era algo que não existia na época. O melhor que você podia fazer era se tornar aprendiz de alguém e foi isso que fiz. Quer dizer, ele fotografava com uma câmera 4x5, tudo era iluminado e tal. Então foi um grande treinamento, mesmo eu tendo percebido que não era aquilo que eu queria fazer.
ÁFRICA DO SUL. Transvaal, Sharpeville. Segunda-feira, 21 de março de 1960. Moradores fogem do centro da vila, onde a polícia abriu fogo contra eles, e tentam se proteger das balas colocando seus casacos sobre as cabeças.
O Massacre de Sharpeville parece ter sido um ponto determinante na sua carreira. Você pode contar rapidamente a história por trás disso?
Depois que deixei esse cara, fui trabalhar no Sunday Times Group em Joanesburgo. Eu já estava lá há um tempo e tinha ouvido falar que um editor britânico muito famoso de uma revista de Londres chamada Picture Post estava vindo trabalhar numa revista africana chamada Drum. Senti que tinha algo a aprender com esse cara, então me candidatei e consegui um emprego com eles. Aí houve a greve nacional da África do Sul — e a maioria dos fotógrafos e jornalistas foi para os locais potencialmente quentes, no caso de alguma coisa acontecer. Recebi um telefonema sobre um cara ter sido baleado numa cidadezinha chamada Sharpeville. Quando cheguei lá, todo mundo já tinha aparecido — muitos fotógrafos internacionais também. Eles estavam do lado de fora dos portões quando vários veículos blindados chegaram e entraram na cidade. Naquela época, sendo branco, você precisava ter uma permissão para entrar num município africano. Todo mundo entrou nos seus carros e seguimos os veículos. Uns 100 metros adiante, o comboio parou e o oficial no comando voltou e disse: “Melhor vocês darem o fora daqui ou serão todos presos”. Então a maioria dos carros deu meia-volta. Três carros continuaram, incluindo o que eu estava, seguimos eles por mais um quilômetro e meio até que o cara saiu do veículo blindado de novo e disse: “Melhor voltar agora, este é o último aviso!”. E os outros dois carros voltaram. Nós continuamos até eles chegarem a uma delegacia que ficava numa espécie de complexo cercado de arame farpado. Conversei com alguns policiais; subi numa das cercas e todos eles me pareceram bem calmos. A multidão não parecia agressiva também. Achei que nada ia acontecer, então voltei para o carro e, assim que cheguei lá, a polícia abriu fogo. Corpos começaram a cair por todo lado. Foi tudo muito rápido. Eu só tinha algumas Leicas naquela época e lentes grande-angular e normais. Simplesmente fotografei as pessoas correndo na minha direção. Quando percebi que as pessoas estavam sendo mortas ao meu redor, me joguei na grama.
ÁFRICA DO SUL. Pessoas sobem em qualquer lugar disponível para ver a chegada de Nelson Mandela num município da região de Natal. 1994.
ÁFRICA DO SUL. KwaZulu. Zulus a caminho de um casamento. 1985.
Em que tipo de coisa você está trabalhando agora?
Tenho trabalhado num projeto sobre a água ao redor do mundo. Já estou nisso há algum tempo porque meio que preciso de uma situação em particular. Acho que quando aconteceu a catástrofe em Nova Orleans eu tinha caído de moto e quebrado a perna, então perdi a oportunidade. Na época do tsunami, algo parecido tinha acontecido e perdi isso também. Então tenho todas as bases para terminar esse projeto, mas preciso de um desastre natural. Naveguei por todo o Yangtzé, o Mekong, o Nilo, o Mississippi — todos esses rios. Sabe, o problema de um projeto assim é que você se vê fotografando a mesma coisa. E você precisa de algo para acionar isso, para continuar. Mas pelo menos isso me deixa longe de encrencas.
Parece que os mesmos problemas estão acontecendo em todo lugar, esse trabalho pode ser uma maneira de mostrar que a questão precisa de mais atenção. Suas opiniões políticas acabaram moldadas pelo seu trabalho?
Não. Eu sei que a coisa mais popular hoje em dia é ir a um evento, situação ou qualquer coisa que seja, com ideias preconcebidas, mas eu ainda tenho essa abordagem fora de moda de chegar aos lugares com a mente aberta. Foi assim na minha última viagem para a África do Sul, quando uma revista francesa me pediu algo relacionado aos fazendeiros que viviam abaixo do Zimbábue.
Agora, não tenho nenhuma simpatia pelos africâneres; quando eu estava trabalhando na África do Sul, sempre estive mais em perigo com a polícia do que com os africanos. E claro, os africâneres odeiam os britânicos. Mas segui em frente para fotografar essa história e, de fato, o que estava acontecendo é que muitos dos fazendeiros estavam sendo desapropriados ou mortos. E não importa como você se sente em relação a eles, você também sente pena em algum grau. Fui para uma fazenda que pertencia a uma senhora idosa. O avô dela estava enterrado lá e ela estava sendo desapropriada sem chance de recurso. Então eu ainda acho que você deve ser bastante imparcial aonde quer que vá e o que quer que faça.
COREIA DO SUL. Boryeong. Praia de Daecheon. 11º Festival Anual da Lama.
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